Você já sentiu aquela vontade súbita e quase incontrolável de comer um chocolate?
A ciência hoje nos mostra que os trilhões de microrganismos que habitam nosso intestino podem influenciar nossas vontades, nos “pedindo” os nutrientes de que eles precisam para prosperar.
Essa simples ideia abre uma porta para uma reflexão fascinante sobre nosso livre-arbítrio. Se nossas vontades mais básicas podem ser influenciadas por seres microscópicos, quão donos de nós mesmos realmente somos?
A questão se aprofunda quando lembramos que nosso corpo tem quase o mesmo número de células microbianas e de células humanas. Somos um ecossistema ambulante.
Mas vamos dar uma pausa nas reflexões.
A pergunta que nos interessa aqui é: o que a segurança viária tem a ver com tudo isso?
A conexão aparece quando um desses “passageiros” microscópicos pode influenciar não somente o desejo por um doce, mas comportamentos muito mais complexos.
Como o protozoário Toxoplasma gondii.
Muitos já ouviram falar dele como o causador da toxoplasmose, uma infecção que atinge cerca de um terço da população mundial. Na maioria das vezes, ela é assintomática e o parasita fica em estado latente em nosso cérebro. E é aí que a história se conecta, inesperadamente, com o nosso universo.
Pesquisas científicas vêm apontando uma correlação intrigante. A presença desse parasita parece estar associada a sutis alterações de comportamento. Estudos sugerem que pessoas com a infecção latente podem apresentar, em média, reflexos um pouco mais lentos e até um leve aumento na impulsividade (Kocazeybek et al., 2009; Sutterland et al., 2019).
Isso significa que a toxoplasmose é a grande vilã do trânsito?
De forma alguma.
Significa que o “fator humano” é um universo ainda mais profundo e complexo do que costumamos considerar.
A menção ao parasita serve como um poderoso lembrete de que, ao lado das variáveis que já estudamos extenuantemente, como álcool, velocidade, celular, existem inúmeras outras influências sutis sobre o comportamento do condutor.
A natureza, aliás, nos dá um exemplo impressionante de como isso funciona: um estudo com lobos em Yellowstone (Meyer et al., 2022) mostrou que os animais infectados eram mais propensos a tomar riscos.
E é exatamente por isso que essa discussão é tão pertinente para o futuro da nossa área. Ela fortalece, de uma maneira inesperada, os alicerces de conceitos como a Visão Zero e os Sistemas Seguros.
Essas filosofias partem do princípio de que o ser humano é falível e o sistema de trânsito deve ser projetado para nos proteger dessas falhas.
Se até um parasita invisível pode influenciar nossas reações, isso só reforça a urgência de criarmos um ambiente viário que perdoe erros, independentemente de sua origem.
O foco sai da busca por um “culpado” e se volta para a construção de um sistema intrinsecamente seguro para todos.
Trazer essa discussão, começando pelo chocolate e passando pela filosofia, não é buscar uma desculpa, mas sim um argumento. Um argumento para sermos humildes em nossas análises e para defendermos com ainda mais convicção sistemas que protejam a vida acima de tudo.
Afinal, a beleza e o desafio da nossa área é continuar conectando os pontos, por mais distantes que eles pareçam.
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Referências
FLEGR, J. et al. Increased incidence of traffic accidents in Toxoplasma-infected military drivers and protective effect RhD molecule revealed by a large-scale prospective cohort study. BMC Infectious Diseases, v. 9, art. 72, 2009.
KOCAZEYBEK, B. S. et al. Higher prevalence of toxoplasmosis in victims of traffic accidents suggest increased risk of traffic accident in Toxoplasma-infected inhabitants of Istanbul and its suburbs. Forensic Science International, v. 186, n. 1-3, p. 36-40, 2009.
MEYER, C. J. et al. Parasitic infection increases risk-taking in a social, intermediate host carnivore. Communications Biology, v. 5, art. 1180, 2022.
SUTTERLAND, A. L. et al. Driving us mad: the association of Toxoplasma gondii with suicide attempts and traffic accidents - a systematic review and meta-analysis. Psychological Medicine, v. 49, n. 10, p. 1608-1623, 2019.
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