Dr. José Mauro Braz de Lima, PhD.
O Carnaval brasileiro representa, na atualidade, uma das maiores festas populares do mundo, visto levar milhões de pessoas para ruas e avenidas do país para brincarem e se divertirem. Não só nas grandes cidades, como Rio, São Paulo, Salvador, Recife, Belo Horizonte, entre outras, mas também, em cidades menores nas regiões urbanas e, mesmo, rurais, o nosso Carnaval, por outro lado, promove importante movimentação de recursos financeiros e de atividades correlatas, envolvendo trabalho e empregos, diretos e indiretos, em face do afluxo de foliões e turistas nacionais e estrangeiros que movimentam enormes somas de dinheiro. Segundo dados do próprio governo, estima-se que no período das festas, só no Rio de Janeiro, deverão ser injetados na economia local mais de 1 bilhão como recursos financeiros em forma de comércio e serviços em geral! Vale notar que esse movimento vem crescendo ano a ano, sobretudo com a promoção dos chamados blocos de rua, tradição resgatada dos antigos carnavais que está voltando em muitas cidades com grande força! Hoje são muitos “Bolas Pretas” arrastando multidões pelo nosso “alegre e eufórico país”, apesar de suas enormes mazelas sociais, econômicas, políticas,... na Saúde, na Educação, na Segurança, etc,... Mas, “vamos brincar porque hoje é Carnaval”!
Todavia, associado aos festejos, o consumo de bebidas alcoólicas, no qual se constata o enorme predomínio das cervejas, a preferência nacional como diz a propaganda, sempre fez parte dessa ocasião, fazendo com que o álcool figure como um dos grandes fatores de risco de problemas relacionados, como, por exemplo, as brigas e violências, os acidentes pessoais ou de trânsito. Como médico, fica fácil verificar a situação das emergências dos hospitais lotados de casos de complicações do excesso de bebidas e suas consequências através do “boletins de ocorrências” (BOs): seria de grande interesse avaliar os custos desses atendimentos clínicos, cirúrgicos e de CTIs, para pesar na balança! Nas delegacias, é outro lugar onde se pode constatar essas consequências, além dos registros das mortes no IMLs decorrentes da violência pessoal ou dos acidentes de trânsito relacionados abuso de álcool. Neste preocupante cenário, é importante destacar a participação crescente do segmento mais jovem e das mulheres, além dos adultos em geral, que são alvos destacados da maciça publicidade (atraentes e alegres, sempre com jovens bonitos e sarados!) e do marketing da banalização do consumo de cerveja, como se pode verificar nas multidões dos blocos de rua durante os dias de carnaval. Embora a cerveja seja vista como uma bebida alcoólica “mais fraca”, e (“quase”) separadamente das outras bebidas alcoólicas, não o é! Considerando o teor alcoólico de 5%, a dose padrão de cerveja (de 300 ml), contém a mesma quantidade de álcool puro que o vinho, com teor médio de 11%, e os destilados - cachaça, vodka, uísque..., com teor de 40%, cujos volumes “padrão” são de 150 e 40 ml respectivamente, ou seja, de 15 a 17 ml de álcool puro (basta fazer a conta!). Portanto, não é por acaso que o Brasil passou a ocupar o lugar de 3º maior produtor mundial de cerveja, dobrando sua produção nestes últimos anos, chegando hoje (2014) a 15 bilhões de litros/ano. Naturalmente, o consumo também aumentou na mesma proporção. Hoje, o consumo per capta, no Brasil, gira em torno de 75 lts/pes/ano, sendo que nas grandes cidades como Rio e São Paulo, entre outras, ainda mais nesses dias de carnaval, estima-se que o consumo chegue a 130 ou 140 lts por pessoa...E, com isso, aumentaram, também, os conhecidos riscos relacionados ao consumo abusivo de álcool. Não é difícil verificar que as consequências e os prejuízos, humanos e materiais, são muitas vezes superior no balanço final nessa contabilidade de perdas e danos. Mas, “tudo bem, hoje é carnaval,...”
Assim, neste momento oportuno, faz-se necessário chamar a atenção para os riscos do abuso de bebidas alcoólicas em geral, mormente de cerveja, por ser, de longe a mais consumida e, “oficialmente” liberada, uma vez que “estratégias de mercado” promovem condições para aumentar a disponibilidade e acesso através da distribuição dentro dos próprios blocos de rua (com autorização oficial de entes públicos!), além dos locais ou pontos comuns de venda já bem espalhados pela cidade. O cidadão não tem como escapar dessa “corda dos blocos” com sua bebida “preferida” e definida.
Portanto, sem querer botar água no seu chope de ninguém, e lembrando para beber com moderação, não podemos deixar de fazer a nossa parte enquanto profissionais de saúde e de educação, ou como cidadão comum, pois que o aumento dos problemas relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas, deverão ser verificados mais uma vez este ano, sendo que, apesar de pequena e irrisória redução pontual do número de acidentes e de vítimas fatais dos acidentes de trânsito em nosso país, ainda somos referência pelo maior número de mortos e feridos nas estradas e maior parte envolvendo álcool: mais de 50 mil mortes/ano e cerca de quase 500 mil feridos/ano. Para qualquer um que quiser ver, uma boa parte dos leitos das emergências e dos CTIs (e corredores!) dos hospitais, estará sendo ocupada nesses dias e depois do carnaval por casos decorrentes desses acidentes!
Enfim, amplas campanhas de prevenção e de conscientização, como o Ministério da Saúde está fazendo em relação à AIDS, devem ser incrementadas como iniciativas não só das autoridades competentes, mas, também, como ações dos diversos atores da sociedade civil organizada. Vale lembrar como referência que a Polícia Rodoviária Federal, na Operação de Carnaval de 2014, registrou 3 149 acidentes, sendo 1 793 feridos e 157 mortos nas estradas federais, durante os 6 dias (cerca de 25 por dia), sendo em grande parte relacionados com consumo de bebidas alcoólicas. A Lei Seca (Lei nº 11 705/2008), vem contribuindo, de modo significativo, para redução desses números, contudo, este é ainda muito grande (25/100 mil habs/ano) e acima dos níveis aceitáveis pela OMS (menos de 8 a 10/100 mil habts/ano). Considerando que somos signatários da “Campanha Mundial da Década de Segurança Viária 2011 – 2020” (da ONU), temos, com isso, uma grande responsabilidade na prevenção e redução dos Acidentes de Trânsito, além, da prevenção dos outros problemas relacionados ao abuso de bebidas alcoólicas em geral neste Carnaval, onde os jovens são as maiores vítimas desse relevante problema de Saúde Pública.
Recomendações úteis para o Carnaval:
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Dr. José Mauro Braz de Lima, PhD
Médico/Especialista em Problemas Relacionados ao Álcool e outras Drogas (PRADs)
Presidente da Assoc. de Neurologia do Rio de Janeiro – ANERJ (2011-2013) Diretor Médico da Evolução – Clínica e Consultoria (Rio de Janeiro)
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